The Skeptics Society & Skeptic magazine


As pessoas gostam de ser enganadas

This interview with Michael Shermer appeared in the magazine ÉPOCA in January 2012. The following is in Portuguese. There is also an English translation.

O psicólogo e escritor americano diz que é mais fácil acreditar em esquisitices — como mediunidade, horóscopo e discos voadores – que pensar e questionar

A DIFERENÇA ENTRE UM MÁGICO E UM MÉDIUM É QUE O MÁGICO CONFESSA FAZER TRUQUES, enquanto o paranormal afirma ter poderes que o habilitam a ler pensamentos, prever o futuro ou falar com os mortos. “basta ao médium dizer que tem poderes para as pessoas crerem. Faz parte da natureza humana”, afirma o psicólogo e escritor americano Michael Shermer, de 57 anos, diretor da Sociedade Cética e da revista Skeptic. “Não evoluímos para duvidar ou ter visão crítica. Isso exige educação e reflexão. Crer é mais fácil.” Nesta entrevista, ele fala sobre os temas de seu livro Por que as pessoas acreditam em coisas estranhas (JSN, 384 páginas, R$ 65, publicado agora no Brasil), e ataca a farsa por trás da crença em discos voadores, bruxas, quiromancia e mediunidade.

ÉPOCA: Por que as pessoas acreditam em esquisitices?

Michael Shermer: A razão básica está em nosso cérebro, programado pela evolução para enxergar o mundo e procurar razões sobrenaturais para explicar eventos da natureza.

ÉPOCA: Dê um exemplo, por favor.

Shermer: Nas sociedades tribais, o pajé até hoje é aquele que detém os conhecimentos que podem salvar os membros da tribo em momentos decisivos. São os pajés que sabem quais são as plantas e raízes com poderes curativos. São eles que decretam que tal região virou tabu, tornando-a um local proibido e dando chance à fauna para se recompor. Anos depois, num momento de escassez, é o pajé quem tem o poder para liberar a volta dos caçadores ao local, salvando a tribo da fome. Esse tipo de poder sempre foi exclusivo dos magos, dos pajés e dos sacerdotes. Logo, acreditar em seus emissários significava a própria salvação. Quando o pajé dizia que enxergava o futuro, que os membros da tribo deveriam caçar ou buscar água em tal região, e que a salvação de todos estaria em fazer o que ele dizia, tudo não passava de uma profecia autorrealizável. Só isso.

ÉPOCA: Há os que afirmam ver coisas sobrenaturais e outros que dizem ouvir o canto dos anjos ou o lamento dos mortos.

Ler o tarô é representar, o que exige talento e prática. não importa a história que se conte, contanto que soe convincente

—Michael Shermer,
Science Friction (2005)

Shermer: Somos animais sociais, e o cérebro foi programado para reconhecer rostos e fisionomias. Por isso, temos a tendência de enxergar faces escondidas no desenho das nuvens, nas manchas de um sudário ou nas rochas da superfície de Marte. Pela mesma razão, basta olhar as nuvens para reconhecer nelas as formas de diversos animais. Essa também é uma herança evolutiva, já que por milênios reconhecer a existência de um animal escondido na paisagem poderia significar a diferença entre a vida e a morte. Qualquer pessoa também pode dizer que fala com os mortos. Não tem nada de mais. Difícil é conseguir fazer os mortos responderem. Todas as alegações como essas que foram investigadas a sério acabaram revelando a existência de microfones escondidos na mobília, nas paredes ou no forro. Nenhuma fotografia pretensamente tirada de um disco voador sobreviveu a um exame detalhado. São todas alegações falsas, montagens feitas para iludir. Embora seja possível que algumas alegações de eventos paranormais, mediúnicos ou ufológicos possam ser verdadeiras, a verdade é que a maior parte delas é falsa, e o mais provável é que todas não passem de pura farsa.

ÉPOCA: Por que as mulheres parecem acreditar mais em esquisitices que os homens?

Shermer: Não é verdade. Homens e mulheres, indistintamente, têm a mesma tendência para acreditar nessas coisas. O que muda é o tipo de esquisitice. Mulheres acreditam mais em mediunidade, espiritismo, cartomantes, bruxaria, amuletos, terapias alternativas, curandeiros e simpatias. Os homens preferem acreditar em paranormalidade, pseudociência, criacionismo e objetos voadores não identificados.

ÉPOCA: Por que as pessoas diferenciam um mágico profissional que faz truques de um médium que diz ser paranormal?

Shermer: É porque o mágico confessa que faz um truque, mas não revela seu segredo. Isso tem razões históricas. A magia é tão antiga quanto as artes adivinhatórias. Há vários séculos, no tempo da Inquisição, os mágicos que ganhavam a vida seguindo as feiras regionais na Europa medieval foram sensatos em confessar que não eram bruxos. Eles confessaram que faziam truques para não acabar na fogueira. Sua confissão retirou dos mágicos profissionais a aura sobrenatural, a qual, embora tentem até hoje, nunca conseguiram resgatar.

ÉPOCA: E as cartomantes e os adivinhos?

Shermer: A maioria acabou na fogueira. As cartomantes e os adivinhos, os médiuns atuais, foram perseguidos porque alegavam deter poderes sobrenaturais. Eles afirmavam que conseguiam prever o futuro e influenciar o destino das pessoas. Ora, esses eram atributos exclusivos da Igreja Católica. Os mesmos inquisidores que se mostraram brandos com os mágicos não pouparam de sua ira persecutória cartomantes e adivinhos, todos eles rotulados de bruxos seguidores da magia negra. Os médiuns e charlatões da atualidade não correm esse risco. Por isso podem afirmar sem medo que têm visões, que falam com os mortos, enxergam o passado, o presente e o futuro. Ou alegar que leem a sorte e influenciam o destino de uma pessoa olhando as cartas do tarô, as linhas da palma da mão, o alinhamento dos planetas de um mapa astral, os reflexos de uma bola de cristal ou a borra de uma xícara de café.

Copiei um mapa astral e disse que era o da moça na minha frente. Fiz vários chutes sobre sua vida. Acertei a metade

—Michael Shermer,
Science Friction (2005)

ÉPOCA: Por que as pessoas insistem em acreditar que essas alegações são verdadeiras?

Shermer: Porque os médiuns afirmam que são verdadeiras. Basta aos médiuns, curandeiros e pais de santo dizer que têm visões e preveem o futuro para que as pessoas acreditem. Faz parte da natureza humana. Não evoluímos para duvidar ou questionar. Desenvolver um senso crítico e uma visão própria de mundo exige educação, reflexão e tempo. Crer é muito mais fácil. As pessoas preferem ser enganadas.

ÉPOCA: Quem pede remuneração para fornecer um bem ou serviço que não existe pode ser processado. Por que isso não se aplica ao “trabalho profissional” de cartomantes e médiuns?

Shermer: Porque adivinhos e paranormais se protegem atrás dos direitos universais da liberdade de opinião, de expressão, de reunião e de religião. É muito difícil ou quase impossível provar que um sujeito não escuta vozes interiores ou fala com os anjos se ele assim o afirma. Os religiosos e os crentes das religiões ditas oficiais poderiam ser investigados e processados exatamente pelas mesmas alegações, pois suas religiões aceitam doações em dinheiro como as cartomantes. Seus membros também alegam ter um canal direto de comunicação com o sobrenatural, assim como as cartomantes.

ÉPOCA: Por que gente inteligente crê em esquisitices?

Shermer: Foi para dar título ao livro que escolhi chamar o conjunto de crendices e enganações reivindicadas por médiuns e paranormais de “coisas estranhas”. Palavras mais corretas seriam farsa ou enganação. São atos na maioria das vezes criados para iludir e enganar. Em certas circunstâncias, podem ser classificados como delírios, quando seus devotos acreditam que viveram ou vivem uma experiência extraordinária, inexplicável, extrassensorial. Ainda assim, há explicação para tudo. Quem tem uma boa formação cultural e crê nessas fantasias o faz em duas possibilidades. Ou se trata de um indivíduo conivente com a farsa ou é alguém que sofreu de um surto psicótico, é esquizofrênico e, portanto, doente, ou teve uma alucinação. O estado alterado de consciência pode ser fruto da ingestão de alucinógenos como a ayahuasca, o mescal ou o LSD. Episódios psicóticos também podem ser causados pela privação de sono e pelo cansaço extremo. Para tudo há uma explicação. Se ela convence o crente, o doente ou o usuário, é outra questão.

ÉPOCA: O que acha da religiosidade e do sincretismo humanos?

Shermer: Sou ateu e sou otimista. Até a Idade Média, éramos uma espécie controlada pela fé e dominada por suas crendices e seus medos. Hoje, dezenas de milhões de pessoas nos países ricos se declaram ateias. A religiosidade, pelo menos na Europa e nos Estados Unidos, recua ano a ano.

ÉPOCA: Não é assim no Brasil nem nos países em desenvolvimento.

Shermer: À medida que o padrão de vida subir, a elevação da escolaridade e da educação científica reduzirá o porcentual de religiosos na população. É um caminho sem volta. Basta os governos investirem em educação de qualidade.

ÉPOCA: Um argumento dos religiosos para desqualificar os ateus é que eles escolheram não crer num deus e que essa é sua crença.

Shermer: Se os religiosos querem acreditar num deus bondoso, num paraíso com100 mil virgens ou seja lá o que for, não dou a mínima. Os religiosos não me interessam. O que me interessa são as centenas de milhões de pessoas que não seguem religião nenhuma e nunca vão à igreja.

ÉPOCA: Quer dizer que, para o senhor, a religião é inofensiva?

Shermer: O problema começa quando seus seguidores usam a religião para lançar aviões contra arranha-céus, jogar bombas em clínicas de aborto (nos Estados Unidos), mutilar mulheres, restringir os direitos individuais e alterar a legislação para proibir o ensino da evolução. Eles querem obrigar as crianças a aprender o criacionismo, uma doutrina religiosa travestida de verdade científica.

This article was published on January 16, 2012.

 

6 responses to “As pessoas gostam de ser enganadas”

  1. Marcos Evangelista says:

    Parabéns ao Michael Shermer pelo seu trabalho de esclarecimento. Agora, quanto ao Carlos logo acima, tenha dó…
    Ele diz “evidências reais de vida inteligente fora da terra”…Ora, evidências onde cara pálida? Ninguém nunca provou nada, a não ser os malucos que dizem ter sido abduzidos ( como a Baby Consuelo dos antigos Novos Baianos)…..quando provarem seremos os primeiros a aceitar tal como falava Carl Sagan…ele diz “tolice acreditar que o homem evoluiu do macaco”….Ora, caro Carlos, o ser humano não evoluiu do macaco, isso é tolice… ambos são originários de um tronco comum da evolução, o macaco foi para um lado e o ser humano para outro…assim como aconteceu com os peixes e anfíbios…isso é básico para quem sabe um pouco de biologia do colegial. Estude rapaz, leia um pouco mais e depois venha dizer alguma coisa que se aproveite e não coisas desse tipo, lá da roça…

  2. m. cezar says:

    Brilhante !
    Acho que ao contrario de alguns comentários aqui, é exatamente isto que descreve o Shermer em sua entrevista , que compactuo. Assim que a escolaridade, o nivel cultural, a capacidade crítica das pessoas aumentar, teremos mais pessoas com pensamentos racionais e científicos para depurar o que é ou não verdade. Isto não significa que as pessoas não possam ter suas crensas como quiserem. Que sejam felizes. Verei a palestra do Shermer no Fronteiras em 27/08/12. Até lá.

  3. Felipe Nogueira says:

    I am also from Brazil, and it’s sad skepticism is almost non-existent here. Fortunately, Why People Believe Weird Things is already translated to Portuguese. Hopefully, The Believing Brain will became available soon and, with that, skeptic movement begins in Brazil.

  4. Carlos says:

    Quanta barbaridade. Nada a ver. Shermer, com a devida venia, está totalmente por fora do real papel da religião. Seu limitado pensamento e concepções o faz ter uma compreensão equivocada da mediunidade. Poderia dizer o que disse das obras de Chico Xavier? E dos grandes projeciologistas espalhados pela Terra? Poderia dizer o mesmo quanto às evidências reais de vida inteligente fora da Terra? Quanto absurdo. Sim, caro Shermer, o ser humano é capaz de raciocinar sim, de ponderar, concluir, rejeitar, tanto é que estamos aqui, evoluindo. Estes mesmos pensadores é que não conseguem desarticular a verdadeira mediunidade, que existe desde que o ser humano é ser humano. É uma tremenda tolice acreditar que o homem evoluiu do macaca. Um absurdo como o que foi dito neste entrevista com a ÉPOCA. A história da mediunidade sempre esteve acompanhada da história do ser pensante e assim continua. Compreendo o senhor. Diz palavras desconexas de sentido porque não teve oportunidade de vivenciar algo real. Falou mal do sabor de um genuíno bolo que nunca degustou porque provou um bolo feito por cozinheiros desatentos.
    Tenha humildade senhor Shermer. Pode criticar, levantar questões relevantes, mas reserve a classe, a compostura, e seja coerente ao expor sua linha de pensamento sem que a mesma venha a denegrir pessoas de bem.
    Tenho dito.

  5. Gabriel says:

    I’m from Brazil and it’s very good to see skepticism finally getting some atention here. And very good interview!

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